MaisFé.org

Encontrar a cura para quando a confiança na Igreja é quebrada

Há alguns dias, recebi um e-mail de um amigo (o chamaremos de João) explicando que seu irmão (o chamaremos de Antônio) estava deixando a Igreja. Por quê? Antônio sente que foi enganado por profetas presentes e passados. Aparentemente, Antônio leu algumas coisas sobre a maneira como Joseph Smith traduziu o Livro de Mórmon.

As informações mudaram a maneira como Antônio via o profeta, fazendo Joseph Smith parecer um caipira influenciado por magia ou até mesmo um impostor. De qualquer forma, as informações não eram muito favoráveis para um homem reverenciado como Profeta de Deus.

Para piorar, Antônio descobriu que os defensores da Igreja não negavam que Joseph usou ferramentas “mágicas” de seu ambiente para traduzir o Livro de Mórmon. Por que, questionou Antônio, ele nunca soube, em mais de 40 anos de frequência à Igreja, que Joseph usou uma pedra vidente para traduzir o Livro de Mórmon?

Em todos os anos de Primária, Escola Dominical, seminário, instituto e reuniões do sacerdócio, ele nunca ouviu falar de tal coisa. Sempre lhe foi ensinado que as placas foram traduzidas através de Urim e Tumim, ele até viu arte retratando o processo de tradução nas revistas da Igreja. Mas não foi isso que aconteceu. E até mesmo a Igreja agora admite isso. Ele foi enganado!

Um problema de confiança

Quando ouvimos a palavra “infidelidade”, a maioria de nós provavelmente pensa em adultério. No entanto, a palavra infidelidade tem um significado mais amplo. Nos tempos modernos, a palavra “infidelidade” frequentemente se refere a quebra de votos matrimoniais, mas também se refere a outros atos de deslealdade quando a confiança é quebrada.

A infidelidade em qualquer relacionamento desperta sentimentos de dor e traição, e quanto mais comprometidos estamos com o relacionamento, mais intensos são esses sentimentos. Santos dos Últimos Dias comprometidos não estão apenas em um relacionamento com Cristo, mas também em um relacionamento com a Igreja por meio de líderes locais e Autoridades Gerais, tanto passadas quanto presentes.

Se nos sentimos traídos pelos profetas, se eles mentiram para nós, naturalmente, sentiremos dor e raiva. Infelizmente, esses sentimentos criam barreiras para a reconciliação e qualquer solução oferecida será vista com ceticismo e suspeita e desconfiança.

Quem quer permanecer em um relacionamento onde não há confiança?

A história de Antônio é repetida com frequência na Igreja nos dias de hoje. Às vezes, é a descoberta do uso de uma pedra vidente por Joseph, outras vezes é o fato de que Joseph praticava o casamento plural, e em outras ocasiões, é a descoberta de que líderes antigos, incluindo Joseph Smith e Brigham Young, tinham fraquezas humanas, opiniões e ideias.

Se descobrimos que um profeta não agiu da maneira que pensamos que deveria agir, podemos perder a confiança nesse profeta e sentir que a Igreja mentiu para nós ao esconder esses fatos.

homem, trantorno mental

A artimanha da mágoa

Conforme mencionado anteriormente, os sentimentos de traição são intensamente dolorosos e podem tornar a reconciliação impossível ou, pelo menos, difícil. Recuperar a confiança é uma tarefa árdua. Em quase duas décadas ajudando pessoas cujo testemunho foi desafiado por obstáculos “intelectuais” (ou seja, não perderam a fé porque acharam o estilo de vida dos Santos dos Últimos Dias muito difícil de seguir ou deixaram de acreditar em Deus porque o filho teve câncer), descobri que o sentimento de traição pela Igreja torna-se a razão motivadora para deixá-la, em vez de ser o obstáculo que inicialmente abalou a fé.

No exemplo de Antônio, é provável que ele não esteja disposto a examinar seriamente os argumentos que demonstram que Joseph Smith ainda pode ser reverenciado como profeta, apesar de ter usado uma pedra vidente para traduzir o Livro de Mórmon.

Para o membro que sente ter sido enganado, quando percebem que Joseph praticava o casamento plural, é menos provável que ouçam argumentos que mostram que muitos dos casamentos de Joseph provavelmente eram dinásticos (não envolviam intimidade) e que o Senhor tinha boas razões para reintroduzir o casamento plural, assim como nos dias antigos.

Respostas disponíveis

A verdade é que existem argumentos lógicos, apoiados por evidências, que respondem virtualmente a todas as alegações anti-Santos dos Últimos Dias. Esses argumentos abordam o cerne das questões, mostrando também que problemas desafiadores podem ser compreendidos em uma visão de mundo que aceita o chamado profético de Joseph Smith.

No entanto, o problema é que esses argumentos e evidências pró-SUD muitas vezes são tratados como absurdos sem importância por aqueles que estão incomodados por sentimentos de infidelidade.

Refute um argumento e eles simplesmente encontrarão outro para substituí-lo. Uma vez que a dor de “ter sido enganado” muda a visão de mundo de um membro fiel para uma pessoa ferida, sua capacidade de afastar sentimentos dolorosos e ouvir argumentos é severamente diminuída.

Ensinar para fortalecer

Se pudermos aprender mais sobre a Igreja primitiva e seus líderes dentro de um contexto fiel, é menos provável que cause danos ao testemunho. Por este motivo, podemos observar que a Igreja, através de seu site oficial ChurchofJesusChrist.org, adotar uma abordagem proativa para discutir temas como o casamento plural, a pedra vidente de Joseph, a Primeira Visão e a tradução do Livro de Abraão.

Essas medidas preventivas não diferem muito de inoculações ou vacinações médicas. Ao ensinar os membros sobre questões potencialmente desafiadoras, a maioria fortalecerá seus testemunhos, capacitando-os a resistir às interpretações apresentadas por fontes hostis.

No entanto, alguns podem perguntar: “Por que a inoculação é necessária quase duzentos anos após o restabelecimento da Igreja? Por que estamos apenas agora sendo confrontados com esses obstáculos? Por que não sabíamos sobre as questões desafiadoras antes? Estávamos realmente sendo enganados?”

A resposta é: “Não, não fomos enganados.” O motivo pelo qual muitos membros não tinham conhecimento de alguns desses tópicos é complicado, mas espero esclarecer um pouco. Vejo pelo menos três fatores contribuintes para o problema: 1) Desvalorização, 2) Foco Alternativo e 3) Ignorância Geral.

Em nossa fraqueza

Na minha opinião, o versículo mais profundo que nos ajuda a entender como Deus se comunica com Seus filhos está em D&C 1:24:

“Eis que eu sou Deus e disse-o; estes mandamentos são meus e foram dados a meus servos em sua fraqueza, conforme a sua maneira de falar, para que alcançassem entendimento.”

Nós, mortais, somos incapazes de compreender totalmente as coisas de Deus. Parte de nossa condição humana é o fato inevitável de que todos somos fracos fisica, espiritual, emocional e até mentalmente. Nossas visões de mundo são fracas e formadas por nossas circunstâncias e ambiente. Temos preconceitos, mal-entendidos e suposições falsas.

Nenhuma linguagem humana é capaz de comunicar totalmente nossas ideias com clareza completa. Lembre-se das muitas vezes em que não conseguiu encontrar as palavras certas para expressar suas ideias ou de quantas vezes alguém o entendeu mal — especialmente em um e-mail ou mensagem de texto.

Apesar de nossas muitas fraquezas, o Senhor ainda sabe como se comunicar conosco — usando nossa linguagem, nossas palavras, nossas visões de mundo — para que Ele possa trabalhar em nós e através de nós e nos conduzir a nos tornarmos mais semelhantes a Ele.

Como um pai se comunicando com um bebê, o Senhor fala conosco em nossa linguagem, usando termos e metáforas que entendemos. À medida que (individual e coletivamente) amadurecemos, nossa linguagem também amadurece, e deixamos de lado nossa linguagem infantil.

Veja também: Onde estão as respostas “oficiais” para as minhas perguntas?

Desvalorizando o menos importante

Embora eu não planeje focar esta postagem no processo de tradução do Livro de Mórmon, é necessário apontar que o Senhor utilizou a compreensão da visão de mundo de Joseph sobre pedras videntes (sua “linguagem”) para ajudá-lo a traduzir as placas de ouro.

À medida que Joseph amadureceu em compreensão do evangelho, ele deixou de lado a pedra vidente, reconhecendo como receber revelação sem sua antiga ferramenta de tradução infantil.

O uso inicial da pedra vidente foi desvalorizado. Não foi negado, apenas desvalorizado, porque era um vestígio do passado que, em retrospectiva, desempenhou simplesmente um papel como uma ferramenta para ajudar o foco de Joseph durante suas comunicações revelatórias.

Com essa desvalorização, as gerações futuras (que não tinham mais visões de mundo que incluíam pedras videntes) começaram a mesclar o uso do termo “Urim e Tumim” (que, nos dias de Joseph, era aplicado tanto à pedra vidente quanto aos Intérpretes Nefitas) com os Intérpretes que estavam incluídos na caixa de pedra junto as placas de ouro.

A liderança da Igreja não mentiu sobre os métodos de tradução, e esses detalhes ainda estavam disponíveis para aqueles que tinham interesse em história, e encontramos menções ocasionais da pedra vidente de Joseph em várias publicações oficiais da Igreja.

A maioria dos Santos dos Últimos Dias, como a maioria das pessoas no mundo, não são historiadores profissionais. Antes da era digital da Internet e digitalização de documentos antigos, até historiadores profissionais tinham dificuldade em encontrar alguns dos detalhes obscuros do passado.

O membro comum da Igreja, assim como o membro comum de qualquer comunidade, geralmente não tem tanto interesse em curiosidades históricas, a menos que sejam mencionadas nas notícias ou em algum outro local que destaque isso.

O propósito central

Um dos pontos que levar pessoas ao desconhecimento geral sobre a história da Igreja é o fato de que o foco da Igreja está concentrado em tópicos espirituais, em vez de históricos. Quando um membro reclama que nunca foi ensinado sobre os casamentos plurais de Joseph Smith na Escola Dominical, precisamos dar um passo atrás e examinar o propósito da Escola Dominical.

Qualquer pessoa que tenha ensinado uma aula da Escola Dominical sabe que o foco de cada lição é trazer o Espírito para a aula, para que as pessoas presentes possam aumentar sua devoção a Deus e se tornarem melhores maridos, esposas, filhos, vizinhos, irmãos, etc.

Os manuais de lições devem se concentrar em tópicos que ajudem o instrutor a trazer esse espírito para a aula. O material de estudo deve ser apresentado de maneira que possa ser entendido por qualquer pessoa.

Os professores da Escola Dominical são voluntários, assim como bispos, professores do berçário e irmãos e irmãs ministradores. Embora alguns possam ter mais acesso à educação do que outros, a Igreja não pode presumir que todos que são chamados para ensinar têm uma base histórica sólida ou as habilidades de pensamento crítico para se envolver e discutir questões desafiadoras.

Escondido à vista de todos

Outro ponto importante é que, embora muitos tópicos históricos tenham sido desvalorizados, eles não foram totalmente retirados das publicações da Igreja, incluindo publicações de estudo.

O Ensign e seu precursor, o Improvement Era, bem como alguns manuais da Escola Dominical ou publicações das universidades da Igreja, abordaram quase todas as supostas questões desafiadoras que causaram ansiedade ou desconforto entre os Santos dos Últimos Dias modernos.

Antônio afirma que nunca foi ensinado que Joseph usava uma pedra vidente durante a tradução do Livro de Mórmon (uma afirmação que ouvi de várias outras pessoas que lutaram com sua fé), mas Dallin H. Oaks mencionou isso em um artigo em 1987, por exemplo.

Vir a Cristo

Por que essas coisas não são discutidas mais explicitamente na Igreja? Qual é o benefício de uma lição da Escola Dominical que aborda a história (que é fragmentada) do casamento plural? Quais são as chances do professor conseguir entender e discutir o tópico de maneira a responder a todas as perguntas e ainda assim trazer o espírito da Expiação de Cristo para a aula?

Ao se concentrar em princípios salvadores em vez de detalhes históricos, a Igreja mantém sua missão central de trazer as pessoas a Cristo.

As Autoridades Gerais Santos dos Últimos Dias foram ensinadas por esses mesmos tipos de professores voluntários ou ministraram aulas a partir do mesmo material de estudo fornecido aos membros mais fracos. Não há uma Escola de Profetas para os Santos dos Últimos Dias modernos que planejam eventualmente se tornar Presidente de Estaca ou Autoridade Geral.

Aqueles chamados para as posições de liderança mais elevadas são escolhidos por revelação, muitas vezes com base na dignidade e disposição individual para servir (incluindo experiência passada).

Os chamados não são baseados em realizações ou insights acadêmicos. Os líderes não são necessariamente mais informados sobre questões históricas do que qualquer outro membro. Infelizmente, a falta de educação qualificada sobre esses tópicos históricos passados garante que poucos membros tenham conhecimento sobre eles.

Infelizmente, alguns membros, que estão descobrindo a história pela primeira vez, ficam com a falsa suposição de que foram “enganados” e que essas novas informações desmascaram uma religião com a qual não apenas não estão familiarizados, mas cujas reivindicações espirituais foram minadas.

É triste ver essas reações. Esse tipo de resposta impulsiva é fundamentalmente baseado em sentimentos, não em pensamento crítico.

Pelo estudo e fé

Acadêmicos e estudantes Santos dos Últimos Dias celebram a exposição de documentos que antes eram difíceis de encontrar, mesmo pelos melhores estudiosos. Quando compreendidos dentro de um contexto de crença, todos os achados históricos da Igreja simplesmente nos ajudam a entender melhor as figuras fundadoras em nossa religião restaurada.

Também entendemos como o Pai Celestial realizou milagres por meio de homens e mulheres que eram humanos, assim como nós.

A cura para a apostasia intelectual é uma educação melhor. A Igreja está respondendo à aparente falta de conhecimento histórico entre os membros, discutindo tópicos potencialmente desafiadores e exibindo dezenas de documentos iniciais da Igreja. O projeto Joseph Smith Papers reproduziu meticulosamente centenas de documentos dos primeiros Santos dos Últimos Dias para que possam ser apreciados por estudiosos e leigos.

Para aqueles que se encontram na situação de João e têm um amigo ou ente querido que se sente enganado, é importante reconhecer que a dor e a ansiedade deles são reais.

Embora não seja culpa da Igreja que eles não soubessem sobre questões desafiadoras, também não é realmente culpa do seu ente querido. Do ponto de vista deles, pode parecer que a Igreja mentiu.

Argumentar certamente não ajudará, já que o espírito de contenda é do diabo (3 Néfi 11:29). A melhor abordagem é mostrar, com amor genuíno e confiando no Espírito, que a Igreja não mentiu porque:

  1. Essas coisas foram mencionadas em publicações da Igreja;
  2. O foco principal do currículo da Igreja (Escola Dominical, Sociedade de Socorro, aulas do sacerdócio) é nos aproximar de Cristo, não discutir questões históricas que significavam algo diferente para gerações passadas do que significam para nós hoje;
  3. Existem respostas lógicas que explicam todas essas questões desafiadoras.

Assim que nós e os “Antônios” reconhecermos que a falta de ênfase não significa falta de honestidade. Podemos deixar de lado os sentimentos de dor, ansiedade e infidelidade, e abrir nossas mentes para as preciosas percepções na história inicial da Igreja. Aliviar esse desconforto pode permitir que nossos corações percebam os sussurros do Espírito de que Cristo está à frente desta Igreja.

Fonte: Third Hour

Relacionado:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *